Tenho revisitado um capítulo de A mente educada, de Kieran Egan (2002) — um daqueles textos densos e complexos que não se lê apenas, mas se atravessa. Nele, a ironia surge não como simples figura de linguagem, mas como uma força capaz de corroer a confiança, dissolver significados e minar as frágeis estruturas da insegurança intelectual. Li isso há mais de uma década, e ainda hoje reverbera.
A ironia me acompanha como um fantasma elegante. Ela aparece sorrateira em reuniões, em ambientes formais – como em uma qualificação de mestrado – na época, nas trocas do dia a dia. É sofisticada, sedutora e afiada. Mas também é esquiva. Uma vírgula fora do lugar, um sorriso enviesado — e não sabemos mais se riram de nós ou para nós. Já estivemos ali, nesse torpor, nesse limbo da comunicação humana.
Ela pode servir à sagacidade, mas também à insegurança disfarçada de erudição. E quando exagerada, transforma o diálogo em duelo, onde o objetivo não é construir saber, mas performar sabedoria.
Embora seja um mecanismo sofisticado de expressão humana, acaba levando muitas conversas para cantos apertados e esteiras que derrubam a gente. Sobra aquela sensação de torpor e incongruência — como se estivéssemos tropeçando num terreno onde o sentido escorrega por entre as palavras.
Hoje, olho para a ironia com mais cuidado. Reconheço sua beleza e astúcia, mas também sua capacidade de desalinhar pontes que tentam se formar. Aprendi que algumas conversas não precisam de espelhos distorcidos, mas de clareza, de coragem e de generosidade interpretativa.
Se a ironia é uma dança entre o dito e o não dito, talvez o desafio seja saber quando ela deve ceder lugar à clareza, ao afeto, ou à coragem de dizer algo genuinamente.
É possível que reescrever seja isso: não apagar o que se foi, mas sobrepor camadas que o tempo poliu. E nesta nova camada, a ironia pode ter seu lugar — mas não o palco todo.
Lembre-se: equalizar a crítica e o acolhimento não parece uma tarefa fácil e numa dessas a ironia surge como uma estratégia rápida para afirmar autoridade, ostentar um refinamento ou apenas para deixar rastros de desconforto e confusão.
A mente educada de Egan, é um convite a reflexão e um desafio a repensar os mecanismos da linguagem, não apenas como instrumento de expressão, mas sobretudo como uma força que pode moldar ou fazer desmoronar o tecido das relações humanas.