Angela Soares

“Quando a gente tenta de toda maneira

Dele se guardar, sentimento ilhado, morto amordaçado

Volta a incomodar”. (Fagner, 1978).

Tenho refletido com frequência sobre os incômodos que ficam nos atravessando silenciosamente no dia a dia da lida, e que a noite tomam conta do quarto inteiro, roubando o sono e sossego.

Decepção, falta de envolvimento, medo sem nome, ansiedade quanto ao que vem pela frente, triunfos, amor, tristeza…. Um turbilhão inquietante que chega sem pedir licença, gerando um ciclo contínuo de desgaste emocional.

São dilemas que se instalam com força na cabeça de quem está tentando entender seu lugar no mundo – a jovem, que não faz ideia de que caminho seguir na vida, que carreira escolher, qual curso pode ajudar a ganhar um pouco melhor. Assombram também um adulto que já percorreu um caminho, mas não encontra sentido no que faz, ou se vê obrigado a seguir por caminhos que não o inspiram.

Em ambos os casos, uma força silenciosa parece guiar o rumo: desejos silenciados.

São muitos os eventos mentais que ficam ecoando dentro de nós. Seriam eles plantados pelo acaso, pelas obrigações que nos cercam, pela inércia que se instala, ou frutos que vão brotando pelo caminho, de tarefas que vão se acumulando enquanto tentamos viver.

Quem poderia nos ajudar a encarar essas verdades secretas, escondidas entre as idades e espalhadas pela vida?

Eu diria que boa parte pode e deve depender de você, vir de uma boa disposição mental para a reflexão, que pode ser mais ou menos rica, mais ou menos aguda, a depender do instrumental de análise que você possui.

Quanto ao desejo preciso te avisar –   ele está enganchado em tudo que fazemos, pensamos, sentimos – mesmo seguindo pela via da obrigação ou do que achamos o mais correto a fazer.

E ainda: o desejo nunca está pronto ou definido, tampouco aparece isoladamente –  por um objeto, uma pessoa definida ou projeto específico.

Esses nossos desejos estão inscritos lá no fundo, nos recônditos da alma e do corpo. Não estão resolvidos, nem são facilmente identificáveis – não é sobre descobrir algo, aplicar e receber em troca uma satisfação proporcional.  Nada disso.

As pessoas, os objetos e projetos que temos – têm valor sim, mas em nenhum caso, esgota e sacia todo o nosso desejo. Isso revela que desejamos sempre, em função das circunstâncias, dos encontros e das oportunidades que surgem.

Desejar é uma atividade que a gente inventa a todo momento.

E mesmo quando achamos que estamos realizando o “negócio da nossa vida”, encontramos a “pessoa certa”, estaremos sempre na eminência de novos desejos, que é claro, podemos aceitar ou não.

Podemos dar um novo rumo à nossa vida ou continuar do jeito que estamos, tudo depende de onde se encontra o desejo, e o que sabemos sobre eles.

Imagina se você está num bom momento da vida profissional ou amorosa e muitos novos desejos são silenciados, sem que você se de conta. Como resultado, continua vivendo, mas sem entender por que falta alegria.

Alegria é saber quando há encontro do desejo com aquilo que a gente faz. E essa deve ser uma das causas da falta de alegria naquilo que fazemos, quando negligenciamos nossos desejos.

E por que fazemos isso? Talvez por serem novos desejos. Por significar uma ameaça aos laços e afetos do presente. Medo que sentimos da solidão, preguiça dos esforços que serão necessários para reinventar a vida….

Recentemente reli o livro “Metamorfose” de Kafka, e vi alguém que parecia ter uma vida necessária, comum e legal, acordando como uma barata. O final é trágico.

Quando silenciamos nossos desejos, a vida entristece, fica opaca e entorpecida. Tentamos aliviar nos excessos do copo, do corpo, do prato, da vitrine, da estrada, tudo isso porque caímos no buraco da desilusão, onde a única saída parece vir das gratificações.

Percebo que nem sempre a depressão está atrelada a uma perda, mas também de desejos novos que não são sondados.

Desejos que são silenciados tendem a desvalorizar a vida que estamos vivendo.

Sempre haverá um novo desejo e se não for reconhecido, seguramente, irá atrapalhar a caminhada.

É necessário reconhecê-los, e isso não implica ter que realizá-los.

Como diz o poeta: tudo que cala, fala mais alto ao coração.

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